Ana Canosa – Colaboração para Universa
Molly é uma mulher adulta, casada, que acaba de receber a notícia da recidiva do câncer. Anos antes, ela havia passado por uma cirurgia para retirada de um tumor na mama e, desde então, mesmo depois de finalizado o tratamento, ela e o marido não fizeram mais sexo.
O que me chama a atenção em seu relato é que já começa mal: “cedeu”. A experiência, como era de se esperar, não foi boa. Foi dolorosa, desconfortável, sem excitação. E deixou nela não só a memória física do incômodo, mas também um bloqueio afetivo e sexual que perdura até hoje. Desde então, ela evita a prática, não sente curiosidade e diz, sem rodeios: “Para mim, não rola”
O que Daniele me conta — com coragem e franqueza — é mais comum do que se imagina.
Muita gente tenta o sexo anal não por desejo próprio, mas para agradar o outro. E quando a prática não dá certo, costuma ser o corpo o primeiro a reagir com dor, tensão e recusa. O corpo fala. E fala alto.
“O problema é que muitas vezes há um silenciamento desse corpo, que ignora seus sinais, porque aprendemos que ‘dar’ — o orifício que seja — é uma espécie de prova de amor máximo.”
Mas será que desejo se dá sob pressão?
Há uma diferença gritante entre acolher o desejo da parceria e se submeter a ele. E sim, num relacionamento afetivo e sexual maduro, é bonito quando a gente se dispõe a conhecer o desejo do outro — desde que também esteja sendo respeitado. Mas fazer sexo anal como moeda de troca, como presente de aniversário, como concessão forçada, é um atalho para o trauma. E sexo traumático não leva ninguém ao prazer.
Vale lembrar que em relações homossexuais masculinas, o sexo anal pode ser a única possibilidade de penetração e para alguns pares, isso se tornar uma dificuldade. Não que impeça a relação sexual, já que outras práticas são prazerosas e legítimas, como o sexo oral ou a masturbação mútua, mas para quem gosta de ser insertivo, o impedimento da penetração em relações monogâmicas pode gerar frustração.
De qualquer forma, cabe reforçar que homens também não devem ser insertivos/receptivos, caso não gostem ou não possam praticar sexo anal.
Daniele também menciona algo que escancara outro ponto delicado: ela não aceita nem beijo grego, nem toques, nem nada que envolva a região anal. É o 8 ou 80: tudo ali se torna um território interditado. Não por acaso, muitas pessoas ainda carregam — sem saber — uma educação repressora, marcada por nojo, vergonha e a obrigação de estar sempre “limpinha/o”, cheirosa/o, inodora/o. Ninguém nos ensinou a olhar para o ânus como uma zona de prazer. Ao contrário: transformaram ele numa zona de medo.
“O sexo anal, como toda prática sexual, exige liberdade. Liberdade para explorar, recusar, experimentar, parar no meio, tentar de novo ou nunca mais. Exige também tempo, preparo, cuidado, relaxamento — e, principalmente, tesão. Sem tesão, nenhum orifício é convidativo.”
Não existe “tem que gostar”, não existe “todo mundo faz”. O corpo não mente: ou ele consente, ou ele se defende.
Para quem deseja experimentar o sexo anal com prazer e responsabilidade, o caminho passa pela paciência e pelo cuidado. A excitação precisa vir antes da penetração — e, muitas vezes, não vem dela. Brincadeiras, carícias, beijos, massagem, uso de plugs ou toques com os dedos podem ajudar o corpo a ir se acostumando e entendendo que “está tudo bem”.
Lubrificante é item obrigatório, assim como o preservativo, já que a região anal não tem lubrificação natural e é mais suscetível a pequenas fissuras e à transmissão de ISTs. E, talvez o mais importante: o corpo tem que querer. Respeitar isso faz parte do jogo erótico. Porque o prazer anal, quando existe, não nasce do “tem que”, mas do “quero junto contigo”.
Talvez o que Daniele precise — e tantas outras pessoas também — não seja uma nova tentativa técnica, com mais lubrificante ou outra posição, mas um espaço de escuta e acolhimento para entender se há abertura para o desejo dela florescer ali, a ponto de tentar novamente.
Porque sexo bom começa no consentimento, se sustenta no respeito mútuo e termina quando culpa e a obrigação começam. E se há recusa, ela não deveria se sentir menos “transante” do que seu grupo de “descolados(as)”.
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