Ana Canosa – Colaboração para Universa
Desde que Luísa se apaixonou por um sujeito que conheceu no trabalho, ela se deu conta que o amor erótico pelo marido havia acabado. Ou pelo menos relegado à segunda instância na ordem de urgências, necessidades e reforço de prazer. Com o “amante” (ela não gosta muito desse termo), passou a recobrar a alegria que já não sentia, o viço na pele, aquele sorriso no rosto dos que se sentem desejados e curiosamente instigados pelo outro…
Mas, é claro que, como pessoa que se propõe na vida a seguir sendo considerada ética e valorosa, Luísa resolveu contar para o marido, com quem está há 8 anos e tem um filho de 3. Entre abrir mão da motivação que a nova paixão lhe dava e optar pela vida dupla clandestina, ela sugeriu adotar o formato da relação aberta, onde ambos poderiam ter experiências fora da relação. Sim, ela saiu na vantagem, afinal o marido estava comodamente ajustado a uma relação na qual o ser desejante é ela. Ela faz, ela agita, ela orienta, ela sugere. Depois de um período de choque inicial, ele topou, começou a desenvolver sua autonomia e a relacionar-se com algumas poucas mulheres. No entanto, vendo o seu amor pelo novo parceiro crescer, agora elevado à categoria de namorado, Luísa decidiu pedir a separação. Mas daí veio o isolamento social e o projeto precisou esperar.
Entre abrir mão da motivação que a nova paixão lhe dava e optar pela vida dupla clandestina, ela sugeriu adotar o formato da relação aberta
É óbvio que muito embora a gente reclame da neurose alheia, estamos acostumados a ela. Em qualquer relação, neuroses são complementares: para todo dependente há um codependente. Para todo controlador, um submisso. E mudar o padrão não é tão fácil assim. Acontece que o novo namorado da Luísa se mostrou assim, digamos, manejado pela (ex) mulher. Sim, ele é (era) casado, com dois filhos e embora tenha sido traído por ela e decidido se separar, vive quase que preso pela personalidade dela. Ao menor sinal de afastamento mais duradouro, ela dá um jeito de chamá-lo e ele vai correndo, voltando para o conforto da relação antiga. Curioso, a mesma história desdobrada: para quem queria o diferente, Luísa apostou no bem parecido.
Pois qual não foi que nessa quarentena Luísa e o namorado decidiram que precisavam fazer a sua primeira viagem juntos, um final de semana para constituírem um pequeno ninho de amor, só os dois. Afinal, essa relação inicial, de construção amorosa, sempre teve um terceiro à espreita e eles precisavam reforçar o vínculo a dois. Alugaram um quarto em uma fazenda, longe de tudo e todos, com o apoio dos (ex)cônjuges, que toparam segurar a onda com as crianças em casa durante o fim de semana. Carro lotado, com todas as provisões para um isolamento no mato, lá foram eles felizes estrada afora.
Curioso, a mesma história desdobrada: para quem queria o diferente, Luísa apostou no bem parecido.
O cenário bucólico vinha a calhar, o quarto amplo e arejado era simples, porém decorado com cuidado e com vista para um grande campo de girassóis. Uma convidativa banheira de hidromassagem foi logo preparada para iniciar o momento de intimidade entre os dois. Mas assim que começaram a amolecer os corpos com a água quente e uma taça de vinho, a (ex) mulher dele enviou uma mensagem que estava passando mal, com sintomas da Covid-19, e que muito provavelmente ele teria que voltar para cuidar das crianças.
Não é necessário ser psicóloga para entender essa manifestação somática repentina, justamente quando o ex-marido apostou no próprio desejo.
Mas Luísa, senhoras, não é dessas mulheres que suportam resignadas desatinos alheios. Também não é tola a ponto de fazer acusações ao namorado, sobre a possível manipulação da ex-mulher diante da situação peculiar que estavam. Afinal, se fosse com ela, provavelmente faria as malas e voltaria para casa a socorrer o ex-marido. Tampouco Luísa, como boa controladora que é, deixa que o destino siga seu curso, principalmente quando ele resolve voltar-se contra suas aspirações. Enquanto refaziam em silêncio as malas poucas horas desfeitas, ela fez uma ligação. Enquanto ele colocava as provisões no carro, Luísa conversou com a dona do lugar. Deixaram a fazenda as 11h da manhã.
Às 16h ela voltou, dessa vez com o ex-marido, afinal, o local já estava pago. Meteram-se os dois na banheira, preenchida com água quente, para amolecer o corpo.
*Ana Canosa é psicóloga, terapeuta sexual e apresentadora do podcast Sexoterapia. Escreverá semanalmente nas páginas de Universa.