Vogue
Não trago respostas, mas casos de amores inspiradores entre mulheres e a dica preciosa de uma sexóloga: contente-se com os papéis que assumiu em sua caminhada ou se liberte daqueles que não fazem mais sentido para você.
“Eu espero que os espectadores entendam que o verdadeiro amor existe”, disse a americana Pat Henschel, 91 anos, para a revista de Oprah Winfrey sobre o documentário “Secreto e Proibido” (Netflix), que ela, Pat, co-estrela com a canadense Terry Donahue (1925-2019).
Quer um filme romântico para embalar o domingo e os sonhos? “Secreto e Proibido” é uma boa pedida — ainda mais neste 28 de junho, o dia internacional do Orgulho Gay. Dirigido pelo sobrinho neto de Terry, o doc. conta o romance dessas suas amáveis senhoras que, por mais de 70 anos, esconderam uma linda relação do mundo — e dos amigos — para evitarem a terrível homofobia.
Conheceram-se em 1947. Se apresentavam como “primas” e “amigas que moravam juntas” fora de casa. Dentro de casa eram um casal feliz, muito apaixonado. É uma história bonita e sensível, que elas decidiram compartilhar com o mundo quando chegaram aos 80 anos. “Vimos que podíamos pertencer ao mundo”, disse Pat a revista Time. Na época, 2009, a liberdade também estava do lado de fora da casa delas, as dificuldades da idade, dentro. Finalmente criaram coragem para abrir o romance para os familiares e amigos. E se sentiram acolhidas. O sobrinho neto de Terry teve a ideia de produzir o doc. E todos podemos nos inspirar a amar mais e de todas as formas.
Eu me emocionei com o filme. Assim como me emocionei quando, no começo do isolamento social, fiz um post sobre a quarentena de um outro casal americano 80+: Eva Kollisch, 95 e Naomi Replansky, 101. As duas se conheceram nos anos 80. Gostam de ouvir música na vitrola, de ler poesias e notícias. Vivem em Nova York, e até a pandemia acontecer, adoravam almoçar em um restaurante vegetariano do bairro em que vivem um amor tranquilo e inspirador. Eu queria perfilar mais casais de mulheres 50+ , contar histórias de amor de fazer suspirar. Não encontrei resposta positiva para o convite. Olhando para a representatividade desse amor na mídia nacional, Marina Lima ( de quem sou fã demais), Adriana Calcanhoto e o casal Daniela Mercury e Malu Erçosa, cruzaram a minha lembrança entre as mulheres 50+.
Pois é …está aí mais uma triste “invisibilidade” da nossa geração. Conversei com amigas mais jovens que amam mulheres. Elas toparam na hora. Mas ressaltaram que na faixa etária delas, entre 30 e 40 anos, muitos casais de garotas ainda também vivem como Pat e Terry, fingindo serem amigas, para a família, para os pais, que são de qual geração? Da nossa. Acho triste.
Pensando nos possíveis porquês fui em busca de uma especialista: a sexóloga e psicóloga Ana Canosa (@anacanosa). Perguntei para ela por Whats App “Sair do armário aos 50+: ainda é um tabu? “Na maturidade você tem dois caminhos: se contentar com os papéis que assumiu em sua caminhada ou se libertar daqueles que não fazem mais sentido para você”. A dra Ana arrematou, em seguida: “Sempre é tempo para viver mais de acordo com os próprios desejos. Aliás, na maturidade isso se faz urgente”. Gostei do que li e mais: concordei. E você?
Curiosa, emendei em outra pergunta: sendo o caminho percorrido pelas 50 + um tanto longo, essa escolha de se libertar dos papéis antigos , que é o seu conselho, é mais difícil? “Depende da personalidade – do quanto ela está agarrada aos valores que moralizam o corpo”, respondeu Ana. “Tenho um amigo que se assumiu travesti aos 55”, completou. Eu fiquei feliz por ele.
Moralizar o corpo. Isso ficou na minha cabeça. Ainda está. Afinal, e os anos 70 e 80? Para onde foi toda aquela transgressão e liberdade da nossa juventude? Fomos mesmo tão livres ou só os nosso heróis e ídolos tropicalistas, punks, new waves foram? Por que sair do armário é ainda é tabu para mulheres? Por que parece ser mais fácil para os homens 50+? Será que é impressão minha…ou será que para eles também é difícil?
Lembrei de uma episódio de Sex And The City, em que Samantha, a personagem mais sexual de todas, se encanta por uma mulher, interpretada por Sônia Braga. Era tesão puro, uma aventura. Uma experiência. Não era um amor entre mulheres como os relatados nas biografias de Frida Kahlo, Elizabeth Bishop, Simone Beauvoir mulheres fortes, inspiradoras, bi-sexuais e livres. Era tesão e novidade, ingredientes de eficiência comprovada para quem não quer envelhecer a alma.
Eu reconheço muitas das conquistas da nossa geração. E não são poucas. Mas essa — a da liberdade do amor entre mulheres, do amor sem rótulos, as liberdades de sermos LGBTQIA+ — ainda não está no nosso legado. O que falta para amarmos sem limites e preconceitos? Para amarmos quem quisermos no nosso mundo particular e mundo afora? Acho que falta vencer o preconceito individual e coletivo. Tenho certeza que falta coragem, que é agir com o coração. E penso na “moral”no corpo, na pele…
Eu ajo com o coração ao escrever esse texto para convidar todas as pessoas a amarem sem medo. A felicidade faz mais sentido quando é compartilhada e multiplicada, não é?